Estudo das provas oculomotoras e vestibulares por meio da vectonistagmografia digital

Resumo


O programa utilizado para a realização da Vectonistagmografia Computadorizada (desenvolvido pela Neurograff Eletromedicina Ind. & Com. Ltda.) foi modificado a fim de tornar o exame mais sensível. Por essa razão, surgiu a necessidade de uma nova pesquisa para estabelecer novos parâmetros para os testes que o compõem. O objetivo deste trabalho consistiu em verificar se os parâmetros e valores de normalidade nas provas oculomotoras e vestibulares desse exame permanecem os mesmos após as modificações realizadas no software deste equipamento. Sendo assim, 32 hígidos com idades entre 18 e
40 anos foram submetidos à bateria de testes que fazem parte desse exame. Os parâmetros em que foram encontradas diferenças estatisticamente significativas foram: ganho dos movimentos oculares na pesquisa do rastreio pendular nas velocidades de 0,2 e 0,4 Hz e ganho na velocidade angular média da componente lenta do nistagmo e preponderância direcional média do nistagmo na pesquisa do nistagmo optocinético, velocidade angular da componente lenta do nistagmo para os canais laterais e verticais e para a preponderância direcional média do nistagmo para os canais laterais na Prova Rotatória Pendular
Decrescente e velocidade angular real da componente lenta do nistagmo na Prova Calórica. Foi possível
concluir que mudanças nos valores de normalidade nas provas em que foram encontradas diferenças
estatisticamente significativas são necessárias para garantir a fidedignidade e precisão do exame vestibular.
Palavras-chave: vertigem; testes de função vestibular; nistagmo.

Introdução


A tontura é a queixa mais comum do mundo entre pessoas com mais de 65 anos, perdendo somente para a cefaléia em termos de prevalência de sintomas (Ganança e Ganança, 1998). Em função da alta prevalência das tonturas e vertigens, bem como da limitação a que são levados os doentes que as apresentam, faz-se essencial o estudo do equilíbrio corporal, da audição e suas relações com o Sistema Nervoso Central. Tal estudo é realizado pela Otoneurologia, que se revela um campo multidisciplinar, envolvendo o trabalho de otologistas, neurologistas, fonoaudiólogos, entre outros (Ganança et al., 1998a). Segundo Ganança et al. (1998b), a avaliação otoneurológica é composta por anamnese, exame otorrinolaringológico, investigação audiológica e vestibulometria. Esta última, segundo eles, “estuda a função vestibular e sua relação com os sistemas ocular e proprioceptivo, cerebelo, medula espinal e a formação reticular do tronco cerebral”. Esse exame baseia-se na interação funcional do sistema vestibular com o sistema visual e consiste no registro da movimentação ocular, que pode ser realizado por meio da eletronistagmografia, em suas diferentes modalidades, tais como a vectonistagmografia, que possibilita a gravação dos movimentos oculares em três canais de registro. Os testes que compõem a vectonistagmografia são: calibração dos movimentos oculares, pesquisa do nistagmo espontâneo de olhos abertos e fechados, pesquisa do nistagmo semi-espontâneo, pesquisa dos movimentos sacádicos, pesquisa do rastreio pendular, pesquisa do nistagmo optocinético, prova rotatória pendular decrescente e prova calórica realizada a 18oC e 42oC (Ganança et al., 1994; Caovilla et al., 1999). Os objetivos do exame consistem na verificação da existência ou não de comprometimento vestibular, o lado afetado, topodiagnóstico da lesão (periférico ou central), tipo e sua(s) provável(éis) causa(s), seu prognóstico e monitoramento da evolução do paciente com a terapêutica indicada (Ganança et al., 1998b). Com a aquisição de novos conhecimentos e do avanço da tecnologia, novos equipamentos foram desenvolvidos com o intuito de facilitar a aplicação do exame, tornando-o mais sensível e preciso na detecção de disfunções do sistema vestibular. Caovilla et al. (1997) relataram que a nistagmografia computadorizada é um método que realiza a avaliação vestíbulo-oculomotora seguindo os mesmos princípios do exame não-computadorizado. Entretanto, apresenta as seguintes vantagens: a) precisão da medida automática da velocidade da componente lenta do nistagmo; b) introdução e avaliação acurada de novos parâmetros da função vestibular (ganho, fase, simetria, precisão e velocidade) em vários testes, por comparação entre a intensidade do estímulo e da resposta; c) redução considerável do número de vestibulometrias normais em pacientes vertiginosos; d) significante identificação de sinais patognomônicos de comprometimento vestibular central; e) incremento na capacidade de monitorização da evolução da vestibulopatia com diversos tipos de tratamento; e f) confortável conveniência da informação detalhada e ordenada de todos os achados, em todos os testes, no relatório do exame (que pode também ser armazenado na memória do computador ou em disquete). Além disso, tais autores, assim como Watanabe e Takeda (1996); Caovilla et al. (1997); Ganança et al. (1998a) e Maudonnet (1999), afirmaram que a relação custo/benefício é bastante satisfatória. A Neurograff Eletromedicina Ind. & Com. Ltda. desenvolveu um equipamento que segue os princípios da vectonistagmografia e é realizado por meio de um programa embutido no computador, que controla e registra todo o exame, conferindo-lhe as mesmas vantagens dos outros exames computadorizados. Tal equipamento foi recentemente instalado no Setor de Otoneurologia do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Para ser utilizado adequadamente, necessita de uma nova padronização dos limites normais dos parâmetros de seus testes, a fim de conferir-lhes maior fidedignidade; sua primeira normalização, realizada por Ganança et al. (2000), foi anterior às mudanças no programa, o que, aparentemente, o tornaram mais sensível. Assim, o objetivo deste trabalho consistiu em verificar se os limites normais dos parâmetros das provas da vectonistagmografia digital permanecem os mesmos após as modificações realizadas no software do equipamento.

Casuística e método

Esta pesquisa foi realizada no ambulatório de Otoneurologia do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital Central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. A amostra foi constituída por 32 indivíduos, 25 do sexo feminino e sete do sexo masculino, com idade entre 18 e 40 anos. Os sujeitos eram voluntários que apresentaram os pré-requisitos necessários para a participação na pesquisa. Todos receberam carta de informação, que explicava sobre como cada exame seria realizado e seus objetivos, e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, no qual consentiam na participação na pesquisa e posterior utilização dos resultados obtidos na mesma com fins científicos. Ambos os documentos foram aprovados pela Comissão de Ética da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Para que possíveis alterações vestibulares e auditivas pudessem ser detectadas e afastadas, tais indivíduos foram minuciosamente selecionados. Assim, os sujeitos responderam a um questionário de anamnese, sendo este uma adaptação daquele sugerido por Ganança em 1997 (Anexo 1), foram submetidos à otoscopia, realizada por otorrinolaringologista, audiometria tonal liminar e vocal, imitanciometria e à Manobra de Brandt-Daroff. Tais procedimentos tiveram o intuito de verificar a presença de sintomas relacionados com a audição ou desequilíbrio corporal e a ocorrência de outras enfermidades que pudessem causar disfunções destes sistemas. Os sujeitos selecionados, 48 horas antes do exame, foram orientados a não ingerir alimentos tais como café, chá mate, refrigerante, chocolate e bebidas alcoólicas, a evitar o fumo e medicamentos não-essenciais, como antivertiginosos e calmantes, além de permanecer em jejum durante as quatro horas anteriores ao exame. Para permitir a captação dos movimentos oculares registrados no computador, primeiramente realizou-se a limpeza da pele com substância abrasiva e, posteriormente, foram afixados eletródios de superfície na região periorbitária do paciente, numa disposição triangular, que permite identificar a direção do nistagmo e medir a correta velocidade angular de sua componente lenta, conforme descreveram Mangabeira Albernaz et al. (1982). A avaliação foi composta de provas oculomotoras (estímulos visuais apresentados numa barra luminosa) e vestibulares (estímulos rotatórios e térmicos). A bateria dos testes que compõem a vectonistagmografia e à qual os indivíduos foram submetidos constou de calibração dos movimentos oculares, pesquisa do nistagmo espontâneo de olhos abertos e fechados, do nistagmo semi-espontâneo, dos movimentos sacádicos, do rastreio pendular, do nistagmo optocinético, prova rotatória pendular decrescente e prova calórica com ar (42oC e 18oC). Todas as provas foram registradas e analisadas pelo computador, que realiza a medida automática do ganho, latência, precisão e velocidade angular da componente lenta do nistagmo, além de todos os cálculos necessários em cada uma das provas. O equipamento computadorizado da vectonistagmografia digital incluiu, além do software específico, uma barra luminosa que apresentava os estímulos visuais. Os estímulos para a prova calórica foram realizados com o otocalorímetro NGR05, ambos da Neurograff Eletromedicina Ind. & Com. Ltda. Os traçados dos pacientes foram analisados de acordo com os critérios estabelecidos por Ganança et al. (2000) para o uso do equipamento em questão (Quadro 1). Os resultados da pesquisa anterior (Ganança et al., 2000) e os da realizada neste trabalho foram, por fim, comparados. Para isso, calcularam-se a média e o desvio padrão dos achados nas duas pesquisas, para cada teste, aplicando-se, assim, a Análise de Variância, com 95% de confiança e 12% de erro amostral. Para os valores em que P <0,05, considerou-se diferença estatisticamente significativa.

Resultados

Após a análise dos dados, pôde-se chegar aos valores limites normais dos parâmetros das provas de calibração dos movimentos oculares, pesquisa dos movimentos sacádicos, do rastreio pendular, do nistagmo optocinético, da prova rotatória pendular decrescente e prova calórica, todos descritos no Quadro 2.

diferentemente do que aconteceu na pesquisa com

Vale ressaltar que, na calibração dos movimentos oculares, todos os sujeitos apresentaram traçado regular. Na pesquisa do nistagmo espontâneo, não houve a ocorrência de nistagmo com os olhos abertos, olhos fechados, na qual dez dos sujeitos o apresentaram, o que corresponde a 31,25% dos indivíduos. Nesta prova, no que se refere à velocidade angular média da componente lenta, considerou-
se apenas o seu valor máximo, qual seja, 5°/s. Nenhum dos 32 indivíduos apresentou nistagmo semi-
espontâneo. Na pesquisa do rastreio pendular, 29 sujeitos apresentaram traçado tipo I e nove apresentaram traçado tipo II, o que corresponde a 91% e 9%, respectivamente. Nenhum dos sujeitos apresentou traçados de tipo III ou IV. Na pesquisa do nistagmo optocinético, todos os sujeitos apresentaram traçados com simetria de respostas. Quanto à prova rotatória pendular decrescente, não foi possível estabelecer os limites mínimo e máximo da velocidade angular real da componente lenta, pois, especificamente nessa prova, muitos exames apresentaram interferências (próprias do indivíduo), impossibilitando assim a análise dos três canais. Devido ao número reduzido de exames que não apresentaram interferência nessa prova, essa análise foi desconsiderada. Para realizar a comparação entre as médias desta pesquisa e a realizada por Ganança et al. (2000), aplicou-se, como já dito, a Análise de Variância, na qual se considerou P <0,05 (Quadro 3). Vale ressaltar que os parâmetros de velocidade e latência da calibração dos movimentos oculares e pesquisa dos movimentos sacádicos das duas pesquisas não puderam ser comparados em função de os intervalos descritos por Ganança et al. (2000)
serem hipotéticos.

Discussão

Durante a coleta de dados, foram encontradas algumas dificuldades que impossibilitaram o uso dos resultados de alguns dos exames na pesquisa. Tais dificuldades se estenderam desde traçados difíceis de serem analisados em função de interferências externas até a presença de nistagmo espontâneo de olhos fechados que influenciou na simetria de respostas da prova calórica. Os exames que apresentaram tais alterações foram descartados da pesquisa, diminuindo consideravelmente o tamanho da amostra. A partir da análise realizada e da comparação entre os achados desta pesquisa e aqueles determinados por Ganança et al. (2000), não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas no parâmetro de precisão da calibração dos movimentos oculares e da pesquisa dos movimentos sacádicos; ganho na velocidade de 0,1Hz na pesquisa do rastreio pendular; velocidade angular real da componente lenta e preponderância direcional real do nistagmo na pesquisa do nistagmo optocinético; pre-ponderância direcional do nistagmo dos canais semicirculares posteriores e superiores na prova rotatória pendular decrescente e velocidade angular média da componente lenta, preponderância labiríntica média e real e preponderância direcional média e real do nistagmo na prova calórica a 18oC e 42oC. Com relação aos parâmetros de ganho nas velocidades de 0,2Hz e 0,4Hz na pesquisa do rastreio pendular; ganho, velocidade angular média da componente lenta e preponderância direcional média do nistagmo na pesquisa do nistagmo optocinético; velocidade angular média da componente lenta para os canais laterais e verticais e preponderância direcional média do nistagmo para os canais laterais na prova rotatória pendular decrescente; e velocidade angular real da componente lenta da prova calórica, foram observadas diferenças estatisticamente significativas quando comparados os valores limites normais encontrados nesta pesquisa e aqueles determinados por Ganança et al. (2000). Quanto à prova calórica, na presente pesquisa, foi encontrado, como valor máximo da velocidade angular média da componente lenta, 24°/s, valor este que não difere estatisticamente daqueles estipulados por Ganança et al. (2000), qual seja, 19o/s. No entanto, apesar de tal diferença não existir, na prática clínica pode-se observar que muitos indivíduos apresentam respostas iguais ou superiores ao valor de 19°/s na prova calórica com estimulação fria (18°C), sem referir vertigem intensa ou outro sintoma que justifique a irritabilidade labiríntica, sugerindo assim que este valor limite deva ser revisto. Isto também se aplica para os valores da velocidade angular real da componente lenta, na qual se chegou ao limite máximo de 33°/s, valor superior àquele determinado pelo estudo anterior (23°/s). Com base nos achados desta pesquisa, enfatizamos a importância da constante repadronização dos testes, a cada mudança realizada ou no equipamento, ou na maneira de realizar as provas, a fim de manter a sensibilidade do exame, uma vez que este é de grande importância para a adequada avaliação do sistema vestibular.

Conclusão

Ao comparar os achados deste trabalho àqueles descritos por Ganança et al. (2000), pode-se dizer que, com relação aos parâmetros nos quais não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os limites de normalidade utilizados anteriormente às modificações realizadas no software do equipamento e os limites aqui determinados, fica a critério do examinador a utilização dos limites aqui propostos ou aqueles determinados por Ganança et al. (2000). No que se refere aos parâmetros nos quais tais diferenças foram significativas, mudanças dos valores são necessárias para garantir a fidedignidade e precisão do exame vestibular.


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Fonte: https://drive.google.com/file/d/1QNPWNxntQsN6VGgxmwCwCQUB8u6j5sdt/view?usp=drive_link

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